No começo do ano letivo de 2025, tive uma aula no mestrado que me marcou profundamente. Discutimos o livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, uma obra que escancara os impactos devastadores da ação humana sobre o meio ambiente. Coincidentemente, naquela mesma semana eu dei uma aula no cursinho popular Carolina Maria de Jesus sobre Platão. E foi impossível não fazer uma ponte entre os dois momentos.
Em sala, conversamos sobre a Alegoria da Caverna. Para Platão, vivemos presos em um mundo de sombras, ilusões que tomamos por realidade. Mas há sempre a possibilidade de sair da caverna, de romper com essas amarras e enxergar o mundo tal como ele é. Só que esse processo não é simples, o primeiro contato com a luz é doloroso. O homem que sai da caverna sente medo, confusão e angústia.
Nesse momento eu pensei: será que não é isso que sentimos quando começamos a estudar ecologia com profundidade? Quando mergulhamos de verdade nos dados, nas projeções, nos relatos científicos e populares sobre o estado do planeta? É como se, ao sairmos da caverna da ignorância ou da alienação, a luz que nos atinge fosse dura demais: o colapso climático, a perda de biodiversidade, o avanço do agronegócio predatório...
“Se o agro não planta, a cidade não janta”. Isso é uma falácia. Quem alimenta de verdade o povo brasileiro é a agricultura familiar. Colocar os grandes produtores no mesmo pacote e chamar tudo de "agro" é uma estratégia discursiva para apagar a diferença entre quem lucra com monoculturas e exportação e quem resiste com diversidade e soberania alimentar. É uma manobra para diluir as identidades e eliminar as classes. Afinal, quando os escravizados lutam entre si, quem vive livre é o senhor do engenho.
O agro não é pop, não é tech, não é tudo. O agro mata, polui e destrói. Essa propaganda é mais uma expressão daquilo que Marx chamou de fetichização da mercadoria, quando se apaga a história real da produção, suas relações de exploração e violência, e se vende uma imagem limpa, moderna e desejável. A Escola de Frankfurt já denunciava como a indústria cultural manipula as massas, fabricando consensos e naturalizando sistemas opressores. O agro virou produto de marketing, e a floresta virou inimiga.
A ferramenta principal e essencial do capitalismo é a exploração. Quando alguém está ganhando, alguém está sendo explorado e alguém está perdendo. Quando o agro está ganhando, é a natureza que está sendo explorada, e é o mundo inteiro que está perdendo. O agro que diz que é necessário expandir as fronteiras agrícolas para que seja possível alimentar as 8 bilhões de pessoas no mundo é o mesmo agro que joga toneladas de alimentos fora para aumentar o preço dos produtos no mercado, enquanto os "pequenos" produtores e movimentos populares, como o MST, doam toneladas de alimentos para quem precisa.
Nesse ritmo, não precisamos nos preocupar em alimentar uma população de 10 bilhões de pessoas até 2050, porque, se continuarmos explorando violentamente a natureza como hoje, não haverá mais um mundo para morarmos. Ou melhor: o mundo vai continuar aqui, quem vai sumir somos nós. Ironicamente, até quem mais combate o movimento acabará virando, de uma forma ou de outra, um sem Terra.
Olhar e entender essa realidade pode ser desesperador, mas como seguir adiante depois disso?
É preciso ter fé em um mundo melhor. Só que a fé, sozinha, não basta. É preciso ter esperança, mas, como Paulo Freire nos ensina, não podemos apenas esperar: precisamos esperançar. Ter esperança ativa, não passiva. Esperançar é agir com os pés no chão e os olhos no horizonte. É construir, passo a passo, em coletivo, um futuro diferente daquele que nos vendem como inevitável.
"Ecologia sem luta de classes é jardinagem". A crise ecológica não será resolvida sem enfrentar as estruturas de dominação que a causam. Que essa ecoansiedade não nos cause uma ânsia paralisante e angustiante, mas que seja uma ânsia no sentido de desejo intenso, a ânsia por um mundo melhor. Que ela nos empurre para a construção coletiva, consciente e sustentável. Porque a gente não quer só resistir — a gente quer viver. E viver, esperançar e ansiar, hoje, é um ato profundamente revolucionário.