Meu nome é Murilo Araújo Piccoli e sou o único estudante de Engenharia Agronômica do CEPAE. Apesar da área de tratamento de água e efluentes não fazer parte da minha formação, acredito que o papel do CEPAE seja mais e muito além do que só isso. Acredito que, acima de tudo, levamos dignidade a quem mais precisa. E é aí que eu me encaixo, através da Extensão Rural, trabalhando com comunidades em vulnerabilidade social.
Foto: Ricardo Stuckert
No dia 23/07/2024 nós celebramos o aniversário de 10 anos do campus Lagoa do Sino, da UFSCar, casa e lar do CEPAE. No evento estavam presentes o Presidente Lula, o escritor Raduan Nassar, patrono do nosso campus, a reitora Ana Beatriz, o Ministros Camilo Santana, Paulo Teixeira e Laércio Portela, o Diretor do Campus Alberto Carmassi e o Diretor de Centro Fábio Grigoletto, além de outras autoridades que compunham o palco e eu. Nessa ocasião, eu tive a honra de fazer o discurso de abertura da cerimônia representando os estudantes de Lagoa do Sino, para um público presente de mais de 2 mil pessoas, das quais muitas delas são muito importantes para mim, e outras milhares de pessoas assistindo simultaneamente através das transmissões ao vivo.
Coloco a seguir o vídeo da transmissão, que se encontra no canal do YouTube do Presidente Lula, além de alguns outros lugares:
Com muita emoção consegui expressar um pouco do que eu tinha a dizer, mas devido ao tempo que foi me dado e alguns outros imprevistos, tive que adaptar o que eu inicialmente havia escrito. Deixo a seguir o texto que eu havia escrito originalmente:
"Bom dia a todas e todos, bom dia senhor presidente, ministros, Raduan, demais autoridades, aos colegas estudantes, à toda comunidade Lagoa do Sino aqui presente, aos visitantes e à quem está nos assistindo pela transmissão.
Me desculpem pelo nervosismo, nunca falei pra tantas pessoas antes. Confesso que quando me falaram a expectativa de pessoas aqui hoje eu fiquei me perguntando “aonde vai caber tanta gente”. Mas o que mais me preocupa mesmo é a fila do RU.
Meu nome é Murilo, sou filho da Alcione Araújo, petista desde sempre, e do professor Luiz Piccoli, aos quais devo tudo que eu tenho. Sou estudante, já a alguns anos, do último ano do curso de Engenharia Agronômica, aqui na UFSCar, sou formado em técnico em agropecuária por uma Etec e sou de Paranapanema, cidade vizinha daqui. E é com imensa honra que hoje venho representar os 963 estudantes desse lugar tão incrível chamado campus Lagoa do Sino.
Hoje iniciamos a celebração dos 10 anos desse campus, mas esse sonho tem mais do que uma década. Há quase 20 anos que aquele homem (apontar para o Raduan), Raduan Nassar, começou a pensar na doação de sua fazenda para a criação de um campus universitário, com o objetivo de desenvolvimento da Agricultura e da Educação Pública na região. Depois de alguns anos de negociações indignas ao sonho do Raduan, quando ele já estava quase desistindo, graças à alguns amigos dele, esse sonho chegou àquele outro homem ali (apontar para o Lula), nosso querido Presidente Lula, que indignado com o descaso dado a esse sonho tão lindo, prontamente passou a tarefa para aquele outro homem ali (apontar para o Haddad), o ministro Fernando Haddad, na época ministro da educação, que no mesmo dia já ligou para o Raduan informando o interesse do Governo Federal em realizar o projeto.
Devemos lembrar que essa fazenda onde estamos hoje que, através desse grandioso ato do Raduan, agora é nossa universidade, uma vez já foi propriedade de um outro homem, que agora eu me refiro com desprezo, ao invés de admiração, que infelizmente dá nome à rua principal e à escola estadual de Campina do Monte Alegre, cidade ao qual a grande maioria da comunidade Lagoa do Sino é habitante. Essa fazenda já foi o palco terrível de uma das maiores atrocidades das últimas décadas aqui no Brasil, a família que possuía essas terras, ligadas ao pensamento eugênico, do integralismo e do nazismo, removeram 50 crianças órfãs do Rio de Janeiro e trouxeram para cá, para viver 10 anos de escravidão e isolamento. Aquele silo, na frente do RU, era usado para punir essas crianças, que eram trancadas para passar a noite lá quando faziam algo que não agradava seus “senhores”. Mas hoje, nós temos isso com um símbolo, um símbolo de inclusão, um símbolo na luta antirracista, e é com orgulho que eu digo que, em um lugar onde já foi uma senzala, hoje é uma universidade, sob os pilares da Desenvolvimento Sustentável Territorial, Soberania e Segurança Alimentar, e Agricultura Familiar. Minha Universidade.
Porém esse grande sonho do Raduan ainda está em desenvolvimento, mesmo depois de 10 anos de várias conquistas, muitas ainda precisam ser alcançadas. O maior problema da comunidade Lagoa do Sino, aqui entendida como todos aqueles que estudam, trabalham ou de alguma forma frequentam o campus, é o acesso. O campus está localizado a 6 km de Campina do Monte Alegre, a cidade mais próxima, e o transporte de lá até aqui é feito por uma empresa privada, a qual a disponibilidade de horários não atende toda a comunidade, entre funcionários que entram antes das 8 ou saem depois das 17, estudantes que precisam frequentar a universidade fora dos horários de aulas e a própria comunidade de fora da universidade que queira frequentar o campus em um final de semana ou feriado. Além disso os estudantes de Buri e Angatuba, as cidades vizinhas, possuem um transporte que os trás às 8 e leva de volta às 17, assim os obrigando a permanecer na universidade o dia inteiro. O que não seria um problema tão grande, se houvesse mais espaços de lazer e confraternização no campus. Esses problemas de infraestrutura serão resolvidos com o tempo, caso seja dada a devida importância a eles. Mas o problema do acesso, e então a possibilidade de ocupação do campus, são problemas que não conseguimos resolver localmente, portanto necessitamos de apoio estadual e federal para resolvermos isso e fazer com que o sonho do desenvolvimento territorial do Raduan, seja possível sempre, não apenas em horário comercial, e assim construirmos a universidade ideal para todos.
O conceito de universidade tem origem no latim como universitas, sendo a junção de universo com o sufixo -dade, como agente de qualidade. Dessa forma era usado para designar os grupos de estudantes e professores que se uniam em busca de conhecimento. Porém, milênios passaram desde a origem do termo e hoje ele precisa ser ressignificado, a universidade não mais é apenas formada por estudantes e professores, mas também pelos técnicos administrativos, funcionários e, tão importante quanto os demais, a sociedade. A Universidade é para Todos.
Como eu já havia dito, estou a alguns anos no último ano do curso, mas foram nesses anos que eu aprendi as lições mais valiosas de toda minha formação. Foram nesses últimos três anos que, através de grupos como o CEPAE, NESEFI, o Cursinho Popular Carolina Maria de Jesus, entre outros, me envolvi profundamente em vários projetos de extensão com diversas comunidades do Território Lagoa do Sino. Assentamentos, como o Bela Vista em Paranapanema, a aldeia indígena Tekoa Nhanderu Porã, em São Miguel Arcanjo, bairros rurais, como o Guareí Velho em Angatuba, escolas, como a Alzira aqui na Campina, entre outros.
A Universidade é sustentada por três pilares: ensino, pesquisa e extensão. O ensino é imprescindível, nos fornecendo base teórica. É na pesquisa que está o desenvolvimento tecnológico. Mas é através da extensão que os estudantes são levados para conhecer a realidade do Brasil, onde 33 milhões de pessoas não têm acesso a água potável, onde cerca de 27,6% dos lares brasileiros conviveram com algum grau de insegurança alimentar no ano passado, onde um terço da população recebe até um salário mínimo. É através da extensão que aprendemos o que não pode ser ensinado nas salas de aula: técnicas de cultivo passadas de geração em geração, tratores que funcionam a base de arame e fé, mas principalmente, como sermos humanos. É através da extensão que o conhecimento do ensino, as tecnologias da pesquisa, além da dignidade, sustentabilidade e soberania, são levadas para a sociedade.
E eu encerro minha fala citando nosso professor doutor Aldenor Ferreira, que quando eu o conheci disse uma frase que eu levo comigo e repito sempre que tenho a oportunidade: “eu estudei minha vida inteira no ensino público, com investimento da sociedade, e é meu dever devolver esse investimento para a sociedade de alguma forma", ou nas palavras do nosso querido escritor Raduan: “devolver para a comunidade o que dela recebi”. Portanto esse é o nosso dever como alunos da Lagoa do Sino, de tornar esse sonho imaginado pelo Raduan em realidade. Aliás, alunos não, a-luno significa sem luz, muito pelo contrário, na verdade somos a Chama da Esperança desse sonho.
Muito obrigado."
Para evitar escândalos, como já havia ocorrido anteriormente em outro evento, fui aconselhado a não expor os desafios que temos em nossa universidade, para não tirar o foco do evento. Mas graças à isso foi negociado então a entrega de uma carta para o Ministro da Educação Camilo Santana, contando a trajetória do Movimento Estudantil e os desafios que temos para serem superados em nosso campus.
Removi a contextualização da doação, pois me passaram que ela já teria sido feita, e algumas outras partes para encurtar o texto (e também a parte que eu falava do Haddad, já que ele não pôde estar presente). Mas a mensagem principal que eu pretendia passar foi entregue: da importância da extensão na formação dos estudantes e para o desenvolvimento da sociedade.
Por fim, eu gostaria de fazer meus agradecimentos, que não foram possíveis de terem sido feitos durante o meu discurso.
Primeiramente devo agradecer aos meus pais, Alcione e Luiz, pois eu não seria quem eu sou hoje e não teria conseguido estar onde eu estava se não tivesse sido pela criação que eles me deram, como eu disse no discurso, a eles devo tudo que eu tenho. Em seguida agradeço aos, como eles mesmo se referem, meus pais pretos, Railda e Valter, do Assentamento Bela Vista, pois foi graças a eles que iniciei a minha atuação com os movimentos sociais, colocando em prática essa ânsia que sempre senti de ajudar ao próximo. E também agradeço ao Cacique Valdir e a todos os parentes da Aldeia Indígena Tekoa Nhanderu Porã, que muito me ensinaram sobre humildade e espiritualidade, e insisto em repetir, vocês só vão parar de me ver quando me expulsarem da vida de vocês.
Devo agradecer também aos meus colegas de trabalho, que posso chamar de amigos. Professores Márcio, Jorge e Bea, além de outros que tenho como inspiração de o que é ser um professor universitário, carreira que pretendo seguir. Aos amigos que fiz no CEPAE, que já são uma família para mim, e que alimentamos a Chama uns dos outros sempre. E não poderia deixar passar os agradecimentos ao meu melhor amigo e irmão Fernando, e à minha namorada Monique, que tanto me apoiam.
E por fim, agradeço ao André Pereira, que além de orientar esse projeto tão lindo que é o Cursinho Popular Carolina Maria de Jesus, ao qual eu faço parte, me forneceu grande ajuda com as alterações até chegarmos ao discurso final, juntamente com o Tiago Santi, que também agradeço por todo o esforço para a realização do evento.
Provavelmente devo ter esquecido de alguém e mesmo se não tivesse, todo meu agradecimento não seria suficiente, mas mesmo assim, ofereço meu mais sincero MUITO OBRIGADO.
Foto: Ricardo Stuckert